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A importância da escolha (e por que evito publicar fotos parecidas)

Na minha primeira experiência acadêmica com a fotografia, durante um curso no Centro Europeu, em Curitiba, lembro claramente de uma aula com o professor Gus Benke. Ele comentava que evita entregar fotos parecidas aos clientes porque, segundo ele, "uma foto mata outra parecida". Essa frase nunca me deixou; guardei comigo e, com o tempo, percebi o quanto ela fazia sentido.

Ao passar do tempo, fui entendendo que imagens semelhantes, quando usadas com intenção, podem sim ter valor narrativo. Sequências de fotos similares, bem construídas, ampliam a leitura e criam ritmo, profundidade. Por outro lado, publicar variações quase idênticas apenas por insegurança na escolha ou por preguiça de decidir caminha pra outro lugar.

Uma clássica sequência de repetição por Robert Doisneau.

As redes sociais e o maldito algoritmo alimentaram uma tendência a publicar volumes maiores de imagens. O consumo de conteúdo acelerou, e carrosséis extensos passaram a ser valorizados, afinal, cada foto agora é consumida em fagulhas de tempo. Mas é justamente nesse ritmo voraz que sinto a necessidade de resistir, de escolher melhor, de preservar a potência duma imagem.

Uma das grandes belezas da fotografia está no poder de síntese. Uma única foto pode conter um universo inteiro, fechado nas linhas do enquadramento. Por um breve instante, o mundo é aquilo; e aquilo, mesmo sem palavras ditas ou escritas, diz o infinito. A imagem comunica numa linguagem que não exige tradução e toca onde ainda não sabemos nomear.

Uma noite circense, 2019.

Quando nos deparamos com duas, três, quatro versões do mesmo instante, sem critério definido, parte dessa magia se dissolve. A força da imagem original dilui-se na repetição, e o que antes era um mundo concentrado num só quadro torna-se apenas mais um fragmento dentre outros. Somos então lembrados, com certa melancolia, de que a fotografia é, também, apenas uma ferramenta.

Pensei em encerrar este texto com imagens não publicadas desta cena na piscina: variações, tentativas, poses diferentes. Cheguei a separar algumas, mas desisti. Preferi tentar preservar algum encanto que uma imagem única, escolhida com certa convicção, pode carregar.

A ausência da compreensão imediata na fotografia de rua

Ao longo da minha trajetória na fotografia, duas abordagens têm se revelado constantes na minha prática: uma comumente classificada como fotografia de rua e outra como fotografia documental. Embora jamais tenha atribuído alguma importância a rótulos ou classificações, reconheço que essas definições surgem com frequência quando outros tentam descrever o que faço, e até mesmo eu acabo recorrendo a elas quando preciso resumir em determinados contextos. A verdade é que sigo movido por interesses que se transformam com o tempo, por uma busca visual que responde mais aos meus impulsos e vivências do que a qualquer necessidade de pertencimento a uma categoria específica.

NEW YORK, 2025.

Diante dessa produção em duas vertentes mais definidas, sempre percebi, de maneira quase instintiva, que um dos grandes desafios inerentes ao ato de fotografar nas ruas reside na incompreensão imediata por parte daqueles que, ao acaso, atravessam o meu enquadramento e se deparam com o gesto ainda indecifrável de alguém que manipula uma câmera no espaço público. Ao contrário do que ocorre quando trabalho sobre um tema claramente delineado, geralmente inserido dentro do escopo do documental, a rua não se apresenta como um objeto consciente, tampouco se dispõe de forma ordenada à captura visual; ela é, por natureza, imprevisível, e o que nela se revela escapa à lógica da pose ou da narrativa previamente consentida.

PORTO ALEGRE, 2024.

Há, nessa imprevisibilidade, algo que desconcerta não apenas quem fotografa, mas sobretudo quem é, de forma involuntária, transformado em personagem. O olhar do transeunte, por vezes inquieto ou desconfiado, parece interpelar a legitimidade da ação fotográfica, como se o simples ato de observar e registrar o cotidiano exigisse, de antemão, uma autorização tácita que raramente existe. E, em certa medida, essa expectativa é compreensível quando a pessoa fotografada torna-se, de fato, o centro da imagem e sua exposição pública é inevitável. A fotografia, nesse contexto, torna-se um exercício de negociação silenciosa entre presença e recuo, entre exposição e anonimato, exigindo do fotógrafo uma sensibilidade para decifrar não apenas a luz e a cena, mas também os gestos, os olhares e os limites implícitos da convivência urbana.

BOGOTÁ, 2025.

Enquanto a fotografia documental tradicional costuma gozar de uma aceitação quase automática, pois está associada a projetos, pautas ou contextos facilmente reconhecíveis, a fotografia de rua se vê constantemente em suspensão, numa espécie de limbo ético em que o gesto de apontar a câmera é, muitas vezes, interpretado como intrusão, provocação ou mesmo suspeita de alguma intenção obscura. No fluxo ordinário da vida, ninguém espera ser capturado pela lente de um estranho, ainda mais quando não há uma moldura clara que justifique o ato.

CURITIBA, 2025.

Diante disso, torna-se imprescindível desenvolver uma inteligência emocional e uma consciência ética que ultrapassem a técnica, permitindo ao fotógrafo não apenas operar com discrição e respeito, mas também compreender as dinâmicas afetivas e simbólicas que se desenrolam nos espaços por onde circula. Fotografar o cotidiano cru, com tudo o que ele tem de banal e de revelador, requer mais do que um olhar atento; exige uma escuta silenciosa do mundo e uma capacidade quase invisível de estar presente sem interferir, de participar sem perturbar, de documentar sem corromper a essência do instante.

SÃO PAULO, 2025.